De longa data as ovelhas exercem um fascínio sobre mim e a minha admiração por estes animais é antiga. Da decisão de iniciar um criatório e a escolha da raça o tempo foi curto. A finalidade do criatório define a raça. Perguntas devem ser feitas antes de se iniciar um criatório:
Há muitas opções disponíveis para escolher uma raça e o importante é ter claro o seu objetivo final, refletir sobre as implicações futuras, identificar possíveis dificuldades e conhecer as facilidades, pois tudo isto fará com que a seleção da raça adequada ao seu propósito seja mais fácil. Os ovinos, em geral, são autosuficientes em muitos aspectos, mas qualquer raça que você escolher terá que ser estudada. Além disso, deve-se aprender como cuidar de seu rebanho, conhecer as peculiaridades da raça escolhida, alimentá-los bem, lidar com os problemas que surgem e comercializar os produtos finais. Como minha motivação é leiteira e estou numa região serrana, a opção foi pela raça East-Frisean, que é de origem alemã, região da Frísia, caracterizada pela produção excepcionalmente elevada de leite, assim como longas lactações. Essa raça veio sendo selecionada na Alemanha por mais de 600 anos, para aptidão leiteira, por isto é considerada uma excelente raça leiteira. Os partos mais normais são gêmeos, simples e trigêmeos, observada esta ordem. Ainda que ocorra parto triplo, a ovelha com sua impressionante qualidade materna e aptidão leiteira, conseguirá criar seus filhos com tranquilidade. Os pontos fortes da raça se refletem em atributos como alta fertilidade, facilidade de ordenha e aptidões maternais. Além dos atributos como raça leiteira, a East Friesian ainda nos presenteia com outras duas aptidões que são a de produzir carne (de excelente qualidade) e lã (de média qualidade). O cordeiro da raça East Friesian atinge seu peso ideal (para corte gourmet) aos 4 meses. É uma raça muito antiga, havendo referência da mesma desde 1530. O tipo de pelagem que os ovinos têm (lã ou pelos) é a forma mais comum de categorizá-los. Em todos crescem lã e/ou pelos e a predominância de uma característica sobre o outra classifica as raças. Animais East-Frisean têm uma apreciável produção de lã. As orelhas também são desprovidas de lã e cobertas de finos pelos. As orelhas são de tamanho médio voltadas para a frente, face e membros limpos, com pele rosada, sedosa e brilhante, A lã cobre os membros dianteiros até o cotovelo e os membros posteriores até os jarretes. A parte inferior dos membros é coberta de pelos. A diferenciação de raças também pode ser feita pela cor do rosto. De acordo com Philip Hasheider, as raças de rosto claro, branco, geralmente têm melhores características maternas e são produtoras de lã. Embora a pele da East-Frisean seja de coloração branco rosada, admite-se manchas no focinho, faces e orelhas. O celo nasal, os lábios e os bordos das pálpebras são rosados, livres de pigmentação escura (preta, marrom). Devido a pele branco rosada, a raça East-Frisean sofre com o sol, podendo desenvolver problemas de pele. Os olhos são grandes, bem separados, as pupilas são em forma de fenda horizontal, eles têm excelente visão periférica, angulo de visão variando entre 270 - 320 graus e isto permite que eles vejam por trás sem virar a cabeça, um mecanismo de proteção. Por outro lado, têm pouca percepção de profundidade, característica a se levar em conta ao se trabalhar com eles nas pastagens. Outra forma de categorizar ovinos é por suas características especiais, tais como tipo de cauda e tamanho da ninhada. A raça East-Frisean têm cauda desprovida de lã e pelos. São animais de alta prolificidade e partos gemelares são normais, o que é plenamente desejável. As ovelhas possuem duas tetas, implantadas lateralmente, bem desenvolvidas e orientadas para baixo. Animais East-Frisean são ovinos fortes e de bom tamanho, angulosos e longilíneos. Os machos atingem 80 a 90 cm de altura e pesam de 90 a 120 kg. As fêmeas pesam de 70 a 75 kg e apresentam um bom apetite. Dependendo da raça, sexo e genética, os ovinos podem ter ou não chifres. Característica importante e exigida para a raça East-Frisean é a ausência de chifres, tanto no macho como na fêmea. Se ocorrer qualquer indício de chifre o animal é desclassificado. Não ter chifres é uma característica interessante, pois torna o manejo mais fácil e a convivência mais segura.. No quesito produção, embora seja um ovino com muita lã, principalmente os machos, a lã não é considerada a sua principal aptidão. O grande atributo em termos de produtividade é o leite: a produção média em 220 dias de lactação é de 380 a 450 litros, podendo as fêmeas selecionadas, que têm alimentação balanceada, chegar a 520 litros. A produtividade do leite começa na raça, na sua genética e no manejo eficiente e a qualidade é em grande parte determinada pela alimentação equilibrada, tanto na composição como na quantidade, padrões sanitários e contextos geográficos. A precocidade dos East-Frisean e respectiva velocidade de crescimento fazem destes ovinos animais de rápida evolução, pois eles ganham em media 350 gramas diárias do nascimento ao desmame. Os cordeiros rapidamente adaptam-se ao seu ambiente e aprendem a comer grama muito cedo. Gostam de viver em grupo, se juntam na presença de um estranho, animal ou pessoa. Quando um deles é separado do resto do rebanho, ele fica bem agitado até que seja reintegrado novamente. Esse instinto de união cria sua melhor defesa contra predadores. Preferem pastagens mais baixas, uma vez que uma vegetação alta dificulta a visualização entre eles. A fêmea East-Frisian é um animal dócil e o macho territorialista. Um estudo australiano sugere que ovinos possuem memória espacial e são capazes de aprender e a melhorar o seu desempenho. Observando meus animais, arrisco a dizer que isto faz sentido. Animais East-Frisean se distinguem primariamente pela produção de leite, beleza, sensibilidade, comportamento, estilo e nobreza. Dentre os lácteos derivados do leite ovino, o queijo é um produto diferenciado e singular, que se insere em um mercado de produtos finos de apreciação mundialmente reconhecido e que tem como origem a tradição das particularidades do produto. No Brasil ainda não há produção em escala destes queijos especiais, e a produção nacional sofre concorrência de queijos especiais procedentes da Europa, que detém reputação e imagem consagrada. A reputação dos atributos do queijo de leite de ovelha junto ao consumidor é incipiente. A identificação e valorização das características organolépticas e nutricionais destes queijos, como elementos estruturadores de um mercado de qualidade diferenciado e singular têm sido negligenciadas. O mercado global para queijo de ovelha é potencial. De acordo com publicação do Agricultural Education (FFA-USA/2009), o queijo de ovelha abrange cerca de 1,5% do mundo, incluindo alguns dos mais famosos, como Roquefort (francês), Serra da Estrela (português) e Manchego (espanhol). O mercado para queijo de ovelha no Brasil é real, pois ele é um alimento definitivamente incorporado à culinária dos brasileiros. Comparado a outros países, o consumo de queijo no Brasil ainda é tímido. Quase 50% do consumo ainda é de queijo fresco, mussarela e prato para uso culinário, porém o consumo de queijos finos para uso gourmet vem aumentando significativamente. O fator renda contribui para este avanço já que, no Brasil há uma relação direta no crescimento de produtos lácteos e o incremento na renda, observado a partir do Plano Real. Além disso, o mercado gourmet está em franca expansão. A raça East-Frisean no Brasil tem tudo para crescer. O número de criatórios é muito limitado, escasso e se pode contar nos dedos da mão! É muita satisfação trabalhar com estes animais inteligentes e vigorosos.
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Este não é um artigo técnico, nem tampouco científico, mas um compartilhar de estudos sobre as qualidades e benefícios do Leite de Ovelha. Três fatores me motivam a estudar as qualidades nutricionais e efeitos na saúde que o Leite de Ovelha promove: o 1º deles é que sou criadora de ovinos de leite, o 2º é a admiração e respeito que tenho pelas ovelhas, que nos dão produtos de primeira grandeza, carne nobre e leite valioso, além de serem animais bonitos, com comportamento interessante e ancestral. O 3º motivo é um interesse pessoal em produtos nutracêuticos, aqueles que fornecem benefícios adicionais aos da alimentação, podendo reduzir o risco de doenças.
O conteúdo aqui apresentado vem de pesquisas individuais. Na sequencia deste virá uma série de artigos para tratar do tema Benefícios do Leite de Ovelha, passando pela questão das vitaminas, minerais, qualidade proteica, a questão controversa sobre gorduras, osteoporose e muito mais... Vou começar pela questão das alergias me estendendo também aos benefícios do Leite de Ovelha na produção de fermentados. Hoje há uma epidemia de alergias e uma das alergias alimentares mais comuns está relacionada ao consumo de leite, às vezes não chega a ser uma alergia propriamente dita, mas se constitui de uma intolerância a lácteos. Um estudo, que foi apresentado numa conferência no Reino Unido em 2010, avaliou durante 1 ano uma amostra de 206 participantes. A avaliação se deu pela aplicação de 2 questionários. Dos 206 indivíduos, 195 eram intolerantes ao leite de vaca. Os sintomas mais frequentemente observados pelos intolerantes ao leite de vaca foram: diarreia, náuseas / vómitos, dor de cabeça, irritabilidade, dor de estômago, inchaço, erupções cutâneas, congestão nasal, enxaqueca, e hiperatividade (na infância). Notou-se que a multiplicidade e gravidade dos sintomas alérgicos produzidos por alergia/intolerância, ao leite de vaca, foram aliviadas pela substituição simplista de leite vaca por leite de ovelha. Nos 206 participantes do estudo, a tolerância ao leite de ovelha foi quase unânime; 99% da amostra aceitaram bem o leite de ovelha, sendo que 83% o apontaram como preferido. Num outro exemplo, 73 participantes (do total de 206), todos consumindo leite de ovelha, mostraram melhora dos sintomas, 35 relataram melhora quase imediata dos sintomas de alergia e 26 relataram uma melhoria gradual dos sintomas. Este mesmo estudo relata que mães que estavam amamentando constataram o desaparecimento de cólica em seus bebês, quase que imediatamente, após terem substituído a ingestão de leite de vaca por leite de ovelha. Podemos concluir, pelo estudo acima, que o leite de ovelha representa um avanço significativo, como substituto ao leite de vaca em situações de alergia, juntamente com um elevado nível de aceitação. Uma questão que causa bastante controvérsia e dúvidas está relacionada a lactose. Lactose faz mal? “Zero Lactose” faz bem a saúde? Leite de ovelha tem Lactose? Tem menos Lactose que leite de vaca? Todos os mamíferos, do morcego a baleia, produzem leite, e este contém lactose. Sabedoria da própria natureza, todo leite tem lactose, pois ela é essencial aos recém-nascidos. Como é possível então leite zero lactose? Isto só é possível em processo industrial, naturalmente o leite animal tem lactose. Qual o problema, então, com a lactose? Também pela sabedoria da natureza as crianças são dotadas de uma enzima – lactase – que é responsável pela digestão da lactose, mas a medida que nos tornamos adultos a presença desta enzima no corpo vai diminuindo, o que varia de indivíduo para indivíduo, com o déficit de lactase, a lactose não é bem absorvida e provoca sintomas de desconforto como gases, azia, má digestão. É a intolerância a lactose. Estima-se que 25% da população brasileira sofre algum nível de intolerância à lactose. O aumento da oferta de produtos “zero lactose” é a resposta do mercado às necessidades dos que têm problemas digestivos relacionados ao açúcar do leite. No que diz respeito à lactose no leite de ovelha, um fato relevante a considerar é que, apesar do teor em lactose ser semelhante ao de vaca, os teores lipídicos e proteicos do leite de ovelha são consideravelmente maiores que no leite de vaca, e isto altera a relação entre os constituintes do leite de ovelha. A configuração é diferenciada, e estes constituintes trabalham do forma sinérgica fazendo com que a lactose seja mais bem tolerada, pela maioria das pessoas, do que a lactose presente no leite de vaca. Além disto o leite de ovelha é um leite naturalmente homogeneizado, seus glóbulos de gordura são pequenos propiciando maior superfície para o ataque enzimático. Como resultado o leite de ovelha é “quebrado” e digerido mais facilmente. Também há evidências de que a lactose no leite de ovelha é mais tolerada do que a lactose dos outros leites em função dos ácidos graxos. O leite de ovelha contém uma maior proporção de ácidos graxos saturados de cadeia curta e média, isto melhora a absorção da lactose e diminui os efeitos maléficos da intolerância. O leite de ovelha é mais aceitável pelo sistema digestivo humano em comparação a outros leites, mas raramente ele é utilizado como bebida láctea no Brasil. Na Europa, o leite de ovelha vem sendo usado por esportistas, como bebida energética, por conta dos eletrólitos (potássio, sódio) da lactose (maior carboidrato presente), e também pela quantidade de proteínas e enzimas que permitem metabolizar o cálcio. Em síntese, na questão das alergias causadas pela proteína do leite, a substituição do leite de vaca pelo leite de ovelha se mostrou uma opção viável e bem aceita, pelos ingleses. Na questão da intolerância (causada por deficiência em lactase), o leite de ovelha, dado à sua boa digestibilidade, é uma solução. Hoje, no Brasil, praticamente inexiste o consumo “in natura”. A demanda pelo leite de ovelha está direcionada para produção de fermentados, principalmente de queijos. Por que leite de ovelha? Ele é um produto de excelência, naturalmente saudável! Entre outras atividades me dedico a ovinocultura de leite na Pérola da Mantiqueira, município de Gonçalves, sul de MG. Nossas ovelhas vivem livres e soltas a 1600m de altitude na Serra da Mantiqueira, alimentando-se de gramíneas nativas e orgânicas, bebendo água de fonte natural protegida, em perfeito equilíbrio com a paisagem e o meio ambiente. O projeto da ovinocultura era inicialmente um hobby, que foi evoluindo até se transformar na Queijaria São João das Três Ovelhas. Minha paixão pelas ovelhas é muito antiga, e no final de 2013 iniciei um pequeno criatório na propriedade rural da família. Nasci nas montanhas, por formação sou engenheira de alimentos e o projeto da Ovinocultura veio tomando corpo como um resgate às origens, uma ponte para um novo ciclo de vida, mais saudável, tranquilo e simples. Acredito que o mercado para derivados do leite de ovelha seja promissor, é um mercado virgem. O consumo per capita de queijos no Brasil ainda é pequeno, cerca de 70% do queijo (de vaca) consumido no Brasil são dos tipos: fresco, mozzarela, prato e requeijão. Há potencial para diversificação, e os queijos artesanais vêm ganhando espaço de destaque. Entendo que os produtores de queijos de ovelha tem grande responsabilidade, em colocar no mercado, produtos de qualidade, já que esse é um mercado em formação e os consumidores de queijo de ovelha estão habituados a consumir produto importado, portanto é um consumidor exigente. Difícil consumidor voltar a comprar um produto que não gostou. Produzir com qualidade também é uma questão de respeito com as ovelhas, que fornecem um leite de excepcional valor biológico, rico em nutrientes, homogeneizado, prontinho para ser usado! A produção da Queijaria São João das Três Ovelhas é artesanal, os queijos são produzidos em pequenos lotes, conforme a safra, na calma mineira... A fermentação segue seu ritmo próprio, de acordo com as condições da região para desenvolver aromas, texturas e sabores. Tenho grande preocupação com a qualidade do leite, que é onde começa a qualidade do queijo. As questões de segurança alimentar também são fontes de preocupação. A proposta é juntar arte queijeira, tradição e inovação no desenvolvimento de queijos mais complexos no sabor e na variedade. Atualmente, os queijos são comercializados localmente, sendo produzidos dois tipos: um curado e firme, com pasteurização lenta, e outro curado e cremoso, com leite cru. |
Mariângela é produtora rural e engenheira de alimentos.
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